As Sardas do Seu Rosto Pareceram Cintilar *
Este período do café na esplanada e dos passeios à noite pelo bairro durou uns três ou quatro meses. Numa certa noite, regressávamos nós a casa, quando, de repente, começou a chover intensamente. Encontrando-nos ainda ao cimo da rua onde Maria morava, corremos para nos abrigarmos no acesso à Vila Berta, uma espécie de túnel por baixo de um prédio que dava acesso a um dos locais mais pitorescos do bairro. E foi ali que nos beijámos pela primeira vez, misturando a água fria da chuva que nos escorria pelo rosto com a saliva quente que ansiava pelo outro. Não sei se foi devido a algum reflexo no rosto molhado de Maria, mas até as sardas do seu rosto pareceram cintilar. Ficámos ali, beijando-nos sem parar, como se nos quiséssemos vingar das hesitações anteriores. Não tenho a certeza se nos parámos de beijar quando parou de chover ou se foi ao contrário. Acompanhei Maria até à entrada do prédio onde morava e, ao despedirmo-nos, ela sorriu e disse-me:
- Nunca mais nos vamos beijar pela primeira vez. Mas também não viveremos mais nenhum dia sem recordarmos esse momento. Prometo!
Sem me dizer mais nada, sorriu, fez-me uma festa no cabelo, virou-me as costas e subiu.
* Excerto de livro embrionário